quarta-feira, 28 de maio de 2008

A LINHA

Eu sou a linha,
Que aponta e alinha.
A linha que corre e desfia.
Que fixa a ponta e segue sozinha.
Que sobe desce e rodopia.
Que limita e imita.
Que sai do triângulo, entra no círculo,
E se perde no quadrado.
Linha de mil cores,
Sem amado ou mil amores.
Segurando a ponta da rima
Num entra e sai sem fim, sem trégua.
Sou a linha pintada no quadro.
A linha que simboliza (sem ser simbolista).
Sou linha romântica (sem ser romancista).
Sou a linha sem ética na poética da poesia.
Sou, fui e com certeza serei.
Que transito, me subordino.
Brincadeira de verbos.
Eu me sujeito, me abjeto em objeto,
Direto ou indireto.
Sou aquela linha, infinita na geometria,
Feita de pontos.
Sou a linha que traça o rumo dos contos.
Que sobe e desce pelos tecidos.
Sou a que não foi, mas poderia ter sido.
Sou imaginária entre as fronteiras.
Determino os limites, do ser, do não ser,
E de todas as suas questões.
Sou sinuosa nas ladeiras.
Sou o sobe e desce íngreme das cordilheiras.
Todos os ângulos e mais um...
Aquele que você esqueceu de olhar.
Sou o reto das avenidas.
A linha reta do coração que se esqueceu de pulsar.
Sou o fio do telefone.
Sou o que no meio da noite velo.
Sou o fio daquele novelo,
Do gatinho cor de marmelo.
Sou o fio de linha amarelo.
Sou o laço que ata tanta gente.
Sou a veia onde corre o sangue.
Linha quente e sinuosa.
Sou a vida por um fio,
Que me escrevo em linhas tortas.
Sou o batente de todas as portas.
Sou o fio de vida que corre,
Dos dedos dos pés aos das mãos.
Sou a linha branquinha que faz arfar o coração,
Das mãos que empinam a pipa,
Que faz seu balé no vento.
Sou a linha colorida do cata-vento.
Sou o barbante enrolado no pião.
Sou o laço que prende a trança da menina.
Sou quem fez o vestido da boneca.
Sou também linha férrea.
A negra linha do metrô, que vou e volto.
Por caminhos ora retos, ora curvos.
Subo, desço, me escondo no túnel.
Deixo os vagões escorregarem por mim.
Sou também linha de aço.
A linha de arame (às vezes farpado).
Eu me enrosco e crio cercas.
Crio grades, muros altos.
Que separam, apartam, estigmatizam.
Eu era a linha do desenho.
Agora sou a linha do pensamento.
Que subo, desço, entro, saio e me perco.
Que volto atrás para poder seguir em frente.
Sou a rima sem ritmo que entra e sai de cena.
Sou a linha do papel onde dança o poema.


Ceres Xisto

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